terça-feira, 4 de setembro de 2018

O agro é mesmo pop???

https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2018/09/agronegocio-setor-nada-pop-insensivel-aos-apelos-contra-o-agrotoxico

50 EMPRESAS VENDEM METADE DOS ALIMENTOS DO MUNDO – E ELAS ESTÃO CADA VEZ MAIORES

https://theintercept.com/2018/09/03/50-empresas-metade-alimentos-mundo/

LUTO MUSEU NACIONAL DO RIO DE JANEIRO

É lamentável o que ocorreu dia 02/09/2018 no Museu Nacional do Rio de Janeiro. 
O fogo consumiu 200 anos de história, ciência, arte, conhecimentos que não serão recuperados. Um país que não preserva seu passado, sua história pode esperar o que do futuro?

Conforme a postagem de Gregório Duvivier 'queimar era uma delícia'. " Que distopia perfeita o Brasil. O próprio nome já remete à brasa. A gente queima coisa demais para ser por acaso. Queima museu queima teatro queima floresta queima índio queima morador de rua. Incêndio por aqui é um plano de governo, uma ideologia, um legado, uma promessa de campanha, um projeto de país. Foram 518 anos de queima de arquivo. Isso aqui ainda vai virar um pasto. Só gado e soja e segurança armado e uns drone tacando veneno". 

É muito triste ler essa análise do apresentador Duvivier, porém é a triste história da realidade brasileira. O incêndio no Museu Nacional me parece algo bastante simbólico nesse contexto turbulento, a qual estamos vivendo. O fogo simboliza os cortes sistemáticos e o sucateamento a qual passa a educação, a cultura, a ciência no país. Sem falar na água que faltou... Tragédia há tempos anunciada. Tempos de escassez que se vislumbram para o futuro... escassez de memória, educação, cultura, história, pesquisa, hídrica e entre tantas outras...
O fogo que consome simboliza um projeto de país, PEC 95, simboliza o descaso com a história do nosso país, nosso passado, parece-me que quase ninguém quer lembrar de onde viemos, quem estava, quem chegou? 

Perdeu-se tudo, não é apenas 200 anos de história, mas milhões de anos... perdeu-se Luzia! E mais quantas Luzias?
A maior biblioteca de antropologia da América Latina, a qual pretendia consultar para minha pesquisa de doutorado, foi reduzida a cinzas... Colocamos fim a nossa história. 
Perdeu-se: "[...] E ainda mais ínfimo considerando-se as múmias andinas, a sala com mobiliário do Império, as muitas bases de dados, os registros de idiomas de povos que não mais existem - 'tudo destruído' [...]". 
O incêndio no Museu, é o fim da nossa história que anda de mãos dadas com um projeto de destruição do país. Situação que nos remonta a lembrar os primórdios de nossa história, quando o colonizador ocupava um país, queimavam tudo, botavam tudo abaixo, como uma maneira de apagar a memória dos povos conquistados e instalar um marco fundador de um novo período, de um novo governante. Vemos isso na história do Brasil, vi isso no Peru, Bolívia... enfim, não conheço toda a América Latina e África, mas penso que se aplicou dessa prática em toda extensão do  "Sul global". 
O fogo que queimou o Museu Nacional não foi intencional, em seu sentido literal. Não precisou. Deixou-se que ele fosse consumido pouco a pouco, como resultado do corte de orçamentos de um "conquistador ilegítimo" que impõe, por fim, seu marco fundador de tempos terríveis. 

Enfim, me resta esperar e torcer que das próximas eleições o tal do "gigante" realmente acorde e perceba tudo que está acontecendo nesse país. Parte desta nota pública da Comissão de Cultura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro explica brevemente alguns dos nossos recentes acontecimentos... vale a pena a leitura!


NOTA PÚBLICA

A Comissão de Cultura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro lamenta profundamente a  tragédia que ontem, 02/09, consumiu todo o rico e milenar acervo do Museu Nacional da UFRJ, na Quinta da Boa Vista. Em tudo, este foi um incêndio criminoso, por ser uma consequência do descaso do governo Temer com a Educação, a Cultura, a Memória, a Ciência, a Pesquisa, a História  e o Patrimônio do povo brasileiro. Não foi um acidente, uma fatalidade, porque foi causado por um projeto que, desde o golpe, vem destruindo o Brasil.

Assim, responsabilizamos diretamente o governo Temer e os apoiadores da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os investimentos da União; responsabilizamos ainda o governo federal pelo maior corte histórico de verbas destinadas ao Museu, reduzidas em 85%, neste ano de 2018; responsabilizamos também o governo do estado do Rio de Janeiro, pela inacreditável demora de mais de quatro horas para regularizar o fornecimento de água na área onde fica o prédio, prejudicando gravemente o combate ao incêndio.

A destruição do acervo do Museu Nacional é uma perda imensurável para a cidade e o estado do Rio de Janeiro, para o Brasil e para toda a humanidade. Exigimos que as investigações sejam feitas de maneira autônoma, sem interferências dos Ministérios da Educação e da Cultura, aos quais não reconhecemos legitimidade.

Manifestamos a nossa solidariedade aos profissionais da UFRJ e, especialmente aos do Museu Nacional, cujas histórias pessoais e profissionais também foram vítimas  das chamas.

Rio de Janeiro, 3 de setembro de 2018

Reimont - presidente da Comissão de Cultura

Tarcísio Motta - vice-presidente

Para saber mais e lembrar deste terrível dia que marca a semana da nossa pátria, ler: 
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/03/politica/1535932675_816618.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM

https://projetocolabora.com.br/cultura/quantas-luzias-serao-perdidas-indaga-pesquisadora/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45398164?utm_source=Colabora&utm_campaign=9f38032cdd-EMAIL_CAMPAIGN_2018_09_03_09_46&utm_medium=email&utm_term=0_7b4d6ea50c-9f38032cdd-413647237

Seu telefone nasceu sobre uma montanha de resíduos tóxicos


https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/03/ciencia/1535960219_093083.html?utm_source=Colabora&utm_campaign=9f38032cdd-EMAIL_CAMPAIGN_2018_09_03_09_46&utm_medium=email&utm_term=0_7b4d6ea50c-9f38032cdd-413647237

quinta-feira, 5 de julho de 2018

O Brasil precisa virar o jogo do CO2

Desmatamento e pecuária colocam o país nas quartas de final da Copa das Emissões

Visão aérea do desmatamento na Amazônia, próximo de  Oriximiná, no Pará. Foto  Raphael Alves/AFP
Visão aérea do desmatamento na Amazônia, próximo de Oriximiná, no Pará. Foto: Raphael Alves/AFP

Para ler a matéria de José Eduardo Mendonça, publicada em 03 de julho de 2018, chique aqui: 

Brasil será “paraíso dos agrotóxicos”, diz pesquisador

Brasil será “paraíso dos agrotóxicos”, diz pesquisador: Para Fernando Carneiro, da Fiocruz, deixar o registro de novos produtos a cargo de Ministério da Agricultura, como prevê projeto de lei, representa perigo para a população brasileira

O agro não é pop

O agro não é pop: Como a bancada ruralista se articula para aprovar o projeto de lei que pretende liberar o uso de agrotóxicos no Brasil e é contestado por mais de 280 entidades da área da saúde e ambiente

segunda-feira, 4 de junho de 2018

El maestro Aníbal Quijano ya no estaba en la tierra. Qué triste suceso murió Quijano!


Mais uma das referências teóricas que embasam minha tese se foi. "Murió Quijano, pero no murieron sus ideias"


https://rosinavalcarcel.lamula.pe/2018/05/31/anibal-quijano-la-vida-esta-hecha-de-la-misma-madera-de-los-suenos/rosvalcarcel/

Agenda de eventos sobre Educação Ambiental


3td World Congress of Environment History 

https://www.3wceh2019.floripa.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=387


Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental - EDEA


Seminário: o Brasil no Antropoceno



https://museudoamanha.org.br/pt-br/seminario-o-brasil-no-antropoceno

Três visões sobre o agronegócio

Três materiais que mostram as premissas e as conseqüências do agronegócio em nosso meio com o reflexo direto sobre a saúde da população, a preservação das diferenças étnicas de nosso país e na manutanção da Vida em sua biodiversidade cultural e ambiental.

http://www.ecodebate.com.br/2013/02/08/premissas-universais-do-reino-do-agronegocio-artigo-de-tatiana-bonin/
http://www.ecodebate.com.br/2013/02/08/10-congresso-da-abrasco-armadilhas-do-agronegocio/
http://www.ecodebate.com.br/2013/02/08/10-congresso-da-abrasco-comunicacao-contra-os-impactos-dos-agrotoxicos-na-saude/

Premissas universais do reino do agronegócio, artigo de Tatiana Bonin

agronegócio

“Mesmo não tendo base religiosa, o agronegócio possui um ‘catecismo’, no qual um conjunto de pressupostos é tomado como absoluto – destaca-se, entre eles, o uso ‘racional’ (leia-se exaustivo) das terras para assegurar a elevação da produtividade, maximização dos resultados e dos lucros, conversão da natureza em recurso, conversão do trabalhador do “campo” em um empreendedor, conversão dos direitos de cidadania em direitos de consumo”. O comentário é de Iara Tatiana Bonin, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em artigo publicado no portal do Cimi, 06-02-2013.
Eis o artigo.
Em contextos de globalização eclodem práticas culturais, religiosas, econômicas, sociais diversificadas, que adquirem visibilidade e confrontam as noções de unificação. Contudo, nestes mesmos contextos, não raramente ocorre um recrudescimento dos fundamentalismos, que conferem caráter absoluto a um ponto de vista, como se este fosse a verdade irrefutável, a única direção, que então deveria ser seguida sem questionamentos.
Ocorre, no Brasil, algo semelhante. Nunca como hoje, as diferenças tiveram tamanho espaço de expressão, o que oportuniza a emergência de múltiplas formas de pensar e de vislumbrar o “futuro da nação”. Contudo, vemos emergir também aqui um tipo particular de fundamentalismo – vinculado a um único ponto de vista sobre o desenvolvimento nacional, tomado então como absoluto, inquestionável, verdadeiro e bom em si mesmo. Esse novo “desenvolvimentismo” emerge como uma urgência, que deveria ser assumida como prioridade política e pública, acima de qualquer outro aspecto da vida social ou, melhor ainda, submetendo tudo o que é social ao plano das métricas e equações econômicas.
O historiador inglês Eric Hobsbawm, considerado um dos mais importantes intelectuais do século XX, afirma que o pensamento econômico vigente se vale de uma retórica teológica, embora seja, como sabemos, contingente e dependente de condições políticas e históricas específicas. Para o historiador, o modelo capitalista, em sua forma atual, tem apelos semelhantes aos do discurso religioso.
Seguindo esta linha argumentativa, pode-se dizer que o desenvolvimentismo se sustenta numa fé suprema – a fé no caráter redentor do mercado – de tal modo que, mesmo quando todos os indicadores demonstram que o caminho é tortuoso e incerto, acredita-se que seja linear, quase como se fosse um destino. A fé é um elemento central no manejo dessa retórica: é preciso crer fielmente que não há saídas para a crise energética, a não ser a construção de hidrelétricas gigantes; é uma questão de fé imaginar que os recursos naturais são inesgotáveis e uma questão de (má)fé afirmar que recursos contingenciados e, portanto, não aplicados em saúde e educação serão revertidos em benesses para todos. Um dos braços mais vigorosos e convictos desse novo tipo de fundamentalismo é o “culto” ao agronegócio.
Mesmo não tendo base religiosa, o agronegócio possui um “catecismo”, no qual um conjunto de pressupostos é tomado como absoluto – destaca-se, entre eles, o uso “racional” (leia-se exaustivo) das terras para assegurar a elevação da produtividade, maximização dos resultados e dos lucros, conversão da natureza em recurso, conversão do trabalhador do “campo” em um empreendedor, conversão dos direitos de cidadania em direitos de consumo.
Mesmo não tendo base étnica, o fundamentalismo ligado ao agronegócio produz como efeito o ódio ao outro – ao diferente, a todo aquele que supostamente se contrapõe às premissas do desenvolvimento rural, a toda coletividade que não se enquadra, que não se converte ao modelo produtivista, que não professa a mesma crença. E a retórica do agronegócio tem claramente uma base social, uma vez que nele se marca a classe representada, aquela que define o caráter e a urgência das ações e políticas de desenvolvimento para o espaço rural.
A vivência deste tipo contemporâneo de fundamentalismo produz também “pastores”, ou seja, aqueles fervorosos porta-vozes, que expressam sem escrúpulos as premissas absolutizadas da fé que professam. Esses porta-vozes profetizam tempos de prosperidade, advindos da máxima produtividade e da vocação para a exportação de produtos oriundos dos negócios rurais. Conforme Kátia Abreu, no texto intitulado “Entre o passado e o futuro”, publicado na Folha de S. Paulo em 19/01/2013, “a moderna empresa agrícola é de alta produtividade, com uso intensivo de tecnologia”, portanto é para poucos, apenas para quem dispõe de capital para isso.
Os porta-vozes profetizam também os horrores de um mundo mantido na desordem e no caos dos assentamentos, da agricultura familiar, espaços nos quais a produção é operada em pequena escala e baseada no pluricultivo. Kátia Abreu afirma no mesmo texto que “a produtividade dos assentamentos é pífia, muito abaixo da média nacional”, o que mostra mais uma vez que a premissa da produtividade em larga escala é tomada como absoluta.
Esses “visionários” do agronegócio alertam, por fim, para os desastres da manutenção de terras produtivas nas mãos de comunidades indígenas, indignas de viver nesse novo tempo, nesse novo mundo do desenvolvimento, visto sob uma única ótica. O arqui-inimigo desta nova “guerra santa” não é, certamente, Satanás, aquele que habita tradicionalmente o fogo do inferno, e sim aqueles que habitam tradicionalmente as terras que hoje deveriam ser convertidas em “modernas empresas rurais”, terras predestinadas (conforme estas sagazes profecias) à produção em larga escala de alguma coisa para o presente (afinal, dentro desta lógica, para que manter áreas de floresta, reservas ambientais ou essas tais terras indígenas como espaços indisponíveis para o mercado, quando essa suprema força produtiva pode e deseja ardentemente expandir suas fronteiras?).
O conjunto de premissas desenvolvimentistas, tomadas como “naturais”, explica porque a presidente Dilma recebeu, no último dia 04, diretamente das mãos do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS, Eduardo Riedel, um documento demonstrando os efeitos da demarcação de novas áreas indígenas em Mato Grosso do Sul, mas não recebeu (em mais de dois anos de mandato) diretamente das mãos dos índios qualquer documento que demonstre os efeitos desumanos da omissão do estado em promover a efetiva demarcação das terras de povos que vivem hoje confinados em pequenas áreas ou acampados às margens de rodovias.
Aqueles que se contrapõem a tais premissas e defendem, por exemplo, o direito dos povos indígenas à terra, são chamados de nostálgicos, utópicos e “ongueiros”. Mais do que isso, questionam-se os direitos destes povos, com o argumento de que se trata de muita terra, já que, “no mais das vezes, os índios não produzem uma mandioca pra chamar de sua”, conforme Reinaldo Azevedo escreveu no seu blog, publicado no site da Veja, em 28/01/2013.
Além das constantes perseguições a lideranças indígenas, um exemplo recente dessa nova “caça aos ímpios”, foi a reação ao texto escrito por Dom Tomás Balduíno, publicado no jornal Folha de S. Paulo, no qual confronta premissas do agronegócio. Dom Tomás é chamado por Reinaldo Azevedo, de estranho “homem de Deus”, pois se atreve a opinar sobre assuntos “profanos”, mas a ironia é que esses assuntos assumem, na atualidade, um viés sagrado.
O que torna mais difícil contestar os fundamentalismos econômicos é o fato de que dificilmente se admitirá o radicalismo das premissas de mercado e a arbitrariedade das regras que definem o que é produtivo, o que é prioritário. Tal como em outras formas de pensamento fundamentalista, o braço do agronegócio também exige “a cabeça” de seus oposicionistas, prática que envolve, inclusive, desautorizar ou desacreditar quem se atreve a apresentar resistência (são exemplos disso o questionamento sobre a “capacidade” dos índios de serem mentores de suas ações e reivindicações, que se pode ler em diferentes fontes, ou a suspeita lançada sobre a autoria do texto de Dom Tomás Balduíno – “se escrito por ele, isso já não sei”, no Blog de Reinaldo Azevedo, em 25/01/2013).
Tal como nas velhas práticas coloniais, o agronegócio requer a abertura de campos nos quais se possa ceifar “livremente” vidas humanas – aquelas gentes incompetentes, pouco ajustadas, pouco convictas, pouco dispostas à redenção. Tem-se aqui a banalização da vida e são oferecidas, no altar do sacrifício, as condições de sobrevivência, de saúde, de educação, de bem estar de muitos, para o deleite absoluto de alguns segmentos empresariais no “templo” do mercado e do consumo.

10° Congresso da Abrasco: Armadilhas do agronegócio

cerrado

A mesa O Papel da ciência frente aos impactos do agronegócio e o direito das populações juntou os dois temas do Abrascão: desenvolvimento e ciência. Para o pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Ensp/Fiocruz, Marcelo Firpo, o agronegócio e a ciência moderna são armadilhas atuais: “A ciência moderna impulsiona o produtivismo e torna a natureza uma grande máquina fabril”.
O paradigma da ciência moderna, explicou o pesquisador, foi introduzido pelo físico italiano Galileu Galilei, que pregava que os movimentos naturais podem ser entendidos por leis gerais, permitindo a previsão de cenários. Com o desenvolvimento da Biologia e da Microbiologia, o cientista francês Louis Pasteur difundiu a ideia de que a natureza — fonte de caos, doença, perigos — era passível de domesticação. “Foram, então, produzidas as bases teóricas que levariam aos mecanismos de controle da natureza”, apontou.
Muitos desses mecanismos acabaram sendo adotados pelo agronegócio, que utiliza o solo para produção de mercadorias. O exemplo mais comum são os agroquímicos, expressão do modelo de ciência e tecnologia voltado para impedir as variabilidades naturais. “Criou-se o conceito de praga, considerada problemática, quando na verdade as pragas são expressão da vida”, observou Marcelo Firpo.
O modelo também levou à expansão do monocultivo e à proposta de eliminação dos povos das florestas e dos camponeses, “que não enxergam a natureza como uma grande fábrica, mas sim como fonte de vida”. A relação entre ciência, economia e ambiente, explicou, é um pilar desse processo, ao ter como foco a maximização de ganhos e a redução de perdas. “Há uma mercantilização da vida e da natureza, cuja novidade é o mercado de carbono”.
Os defensores da “revolução verde” argumentam que suas técnicas aumentaram a produtividade no campo, mas o suposto aumento de produtividade, ressaltou Firpo, não resolveu o problema da fome no mundo. “Vemos uma fusão da indústria com a agricultura e da química com a biotecnologia para tornar a agricultura o novo foco de expansão do capital”.
Aceitável e inaceitável
O pesquisador avaliou que a atual crise ambiental põe em xeque o poder da ciência sobre a natureza — o que o filósofo francês Bruno Latour chama de “reinvasão da natureza no laboratório”. A pergunta que deve ser feita, segundo Firpo, é: “Como estabelecer objetivamente fronteiras entre o aceitável e o inaceitável, do ponto de vista de uma ciência clássica?”. A resposta deve vir da sociedade, disse, e ser incorporada pela ciência.
Firpo apontou como princípios para uma ciência sensível, sustentável e emancipatória a refundação das noções de economia, natureza, saúde e regulação; a humanização e a ecologização da ciência, para que se reconheçam complexidades; o diálogo entre saberes; o reconhecimento de limites, incertezas e ignorâncias; e a predominância do interesse público, com controle do poder do mercado e das grandes corporações. “Assim, teremos uma economia para as pessoas, com novas escalas, relações e valores, e cujo elemento central será a solidariedade”.
Relação positiva
A agroecologia é uma alternativa ao agronegócio: propõe uma agricultura camponesa com relação positiva com o meio ambiente, como relatou o vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, Paulo Petersen. “Aumentamos a eficiência aplicando os fundamentos da natureza: a energia da fotossíntese, a manutenção da biodiversidade, a reciclagem de nutrientes, a conservação das fontes de água, o controle biológico de populações de fitófagos, patógenos e plantas espontâneas”.
A luta da agroecologia, disse ele, é contra a invisibilidade. “A ciência ocupa hoje o espaço da Igreja na Idade Média: obscurantismo e apoio aos impérios”, criticou, em referência a um pequeno grupo de corporações transnacionais que controlam os sistemas de produção e abastecimento alimentar. “São corporações sem compromisso com o futuro, que afastam a agricultura da natureza e negam o conhecimento popular”.
Matéria na revista Radis, edição n° 125, de fevereiro de 2013.

10° Congresso da Abrasco: Comunicação contra os impactos dos agrotóxicos na saúde

O cineasta Silvio Tendler, autor do documentário 'O veneno está na mesa'
O cineasta Silvio Tendler, autor do documentário ‘O veneno está na mesa’

O programa do congresso dedicou um dia inteiro de discussões ao Dossiê Abrasco sobre impacto dos agrotóxicos na saúde, cuja terceira parte, Agrotóxicos, conhecimento científico e popular, foi lançada na tarde de 16 de novembro — em março de 2011 realizou-se o lançamento da primeira parte, Agrotóxicos, saúde, segurança alimentar e nutricional; a segunda, lançada durante a Rio+20, em junho de 2012, trata de Agrotóxicos, saúde e sustentabilidade. Na parte da manhã, o assunto foi debatido em sessão especial, que contou com o então presidente da Abrasco, Luiz Augusto Facchini. Ele destacou o fato de o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, titulo do qual o país não deve se orgulhar. “Gostaríamos de reverter esse quadro, diminuir a dependência do pequeno agricultor e fortalecer a base da saúde”, disse, defendendo maiores investimentos na capacidade da agricultura familiar e da agroecologia e a maior formação de pesquisadores nas duas áreas.
O dossiê foi construído com a contribuição de vários grupos de trabalho da Abrasco (Saúde e ambiente, trabalho, nutrição, promoção à saúde e vigilância sanitária) e de pesquisadores de diversas instituições do país, sistematizando a produção sobre os impactos dos agrotóxicos à saúde. De acordo com Facchini, o documento apresenta conexões entre o grande capital e o processamento e industrialização desses produtos, bem como sua relação com a alimentação das pessoas. “Enfrentar o grande capital não é tarefa fácil, mas é possível”, salientou, lembrando os progressos na luta contra o tabagismo e a favor do banimento do amianto, também danosos à saúde. “Esses interesses suplantam a civilidade em nome do ganho fácil, mesmo que submeta a população ao envenenamento”, denunciou.
Hegemonia que aprisiona
O pesquisador Fernando Carneiro, do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (Nesp/UnB) comemorou o compartilhamento do dossiê com os 8 mil congressistas, lembrando que o documento é uma reação do movimento social à hegemonia do agronegócio, um modelo que aprisiona o agricultor. “Há dez anos, 30% do que consumimos está contaminado”, disse Fernando, informando que já foi detectada a presença dessas substâncias até no leite materno e assinalando a pertinência do material. Segundo ele, existem 14 princípios ativos proibidos no mundo ainda consumidos no Brasil, o que reforça a necessidade de priorizar uma Política Nacional de Agroecologia.
O pesquisador afirmou que, com o dossiê, a comunidade científica cria um fato político no país, chamando a atenção da mídia e criando um documento histórico sobre o assunto. Além disso, o documento aumenta a interlocução entre sociedade, academia e mídia. “Epidemiologistas e militantes estão juntos, construindo uma semântica própria em defesa da vida”.
Fernando acenou com a possibilidade de, em futuro próximo, produzir-se um dossiê similar sobre o problema no continente latinoamericano, onde são consumidos 19% dos agrotóxicos no mundo. Os impactos vão além do envenenamento, acentuou, lembrando que em 2010 o agricultor José Maria do Tomé foi assassinado na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte (CE), por denunciar os impactos do uso indiscriminado de agrotóxicos na região.
Conquista da mídia
O cineasta Silvio Tendler, autor do documentário O veneno está na mesa (assista no Canal do Ecodebate no YouTube em http://www.youtube.com/user/ecodebate ), declarou ser impossível não avançar na luta contra os agrotóxicos com um time de cientistas e agricultores de tamanha qualidade, “pessoas que lutam pela qualidade da saúde no país”. Para ele, a maior batalha a ser enfrentada seria conquistar a mídia para mobilizar toda a sociedade. “Não odeiem a mídia”, declarou.
Silvio comemorou o fato de seu documentário já ter sido acessado por cerca de 100 mil pessoas na rede social Youtube, além das inúmeras cópias que podem ter sido feitas e dos acessos em outros sites e blogs. “A batalha contra os agrotóxicos não é problema dos especialistas, mas de toda a sociedade. É uma batalha de comunicação”, definiu.
Ele criticou o fato de governos progressistas utilizarem recursos oriundos da produção de agrotóxicos como um dos seus sustentos e alertou que a paisagem brasileira está mudando para pior por conta do agronegócio. Se em Grande sertão: veredas o escritor Guimarães Rosa descrevia as veredas, lembrou, hoje, elas se transformaram em eucalipto. “Além dos rios desertificados em nome de um poder financeiro”, apontou. “Temos que demonstrar que este modelo é perverso e prejudicial à vida no Brasil”, conclamou, lembrando que “seremos vitoriosos se soubermos trabalhar com a comunicação”.
Ponta de iceberg
Integrante da Articulação Nacional de Agroecologia, o pesquisador Paulo Petersen constatou que o momento é de aprendizado, pois o dossiê indica “uma nova forma de produzir conhecimento, para além do conhecimento científico”, aliada a outros saberes. Essa sinergia, segundo ele, produz algo superior, já que se transforma em munição para ação política e diálogo entre os movimentos sociais. “Encontrar e perceber convergências já foi um grande passo”, elogiou, advertindo que é necessário que o produto seja compartilhado. “Temos que aprender a viver o território da comunicação”, assinalou. Neste contexto, ele acredita que a capacidade de produzir novas mídias faz grande diferença.
O pesquisador alertou que é preciso entender que a questão dos agrotóxicos é apenas a ponta de um iceberg, “uma ameaça ao modelo que se afirmou em dez milênios sem uma gota de agrotóxico”. Para ele, não há como entender essa ameaça sem considerá-la uma grande construção ideológica, que indica a mudança de um paradigma econômico para um paradigma químico — e encontra eco no projeto de substituir a indústria bélica pela indústria química. A base legitimadora desse processo, assinala, “é o discurso de acabar com a fome do mundo” e o questionamento sobre a capacidade da agroecologia de alimentar 9 bilhões de pessoas. “A pergunta correta é: será que este modelo industrial é capaz disso? Se já não é capaz hoje, como pode prometer que será em 2050?”.
Paulo lamenta que a agroecologia não seja reconhecida por sua capacidade de produzir alimentos e cultura, além de preservar o meio ambiente. Tudo isso por ter em sua base a agricultura camponesa, que tem uma forma de produzir distinta e trava uma relação diferente com o território e com a biodiversidade. Ele ressaltou que fala de agricultura familiar, que não pode ser confundida com agricultura de nicho. “Não estamos falando na substituição de agrotóxicos por tecnologia para matar pragas”. Ele se refere ao aproveitamento de princípios ecológicos de maneira natural, uma “regulação biótica”. “Nunca tivemos tanto conhecimento acumulado, mas é preciso evitar a apropriação dos conceitos da agroecologia pelo mercado”.
Harmonia dos saberes
À tarde, durante o lançamento oficial do dossiê, a médica Raquel Rigotto, pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do grupo que construiu o documento, destacou que o trabalho valorizou o encontro com os saberes populares, camponeses e tradicionais. “Procuramos as experiências construídas por essas comunidades de alternativas a esse modelo de desenvolvimento, especialmente no campo da agroecologia, entendida não só como um processo de produção de alimentos livres de agrotóxicos, mas alimentos livres de injustiça social”, explicou. Para ela, são estes alimentos que contêm reforma agrária, promoção da equidade, contemplam a questão de gênero, a saúde das populações camponesas, a preservação da biodiversidade e o cuidado com as fontes de água.
Quem assina o prefácio do dossiê é o pesquisador português Boaventura Sousa Santos, que define a metodologia de construção como ecologia de saberes. “Não basta somente reunirmos todo o conhecimento científico produzido pela ciência moderna, mas construirmos um verdadeiro diálogo entre as vozes que emergem dos territórios e que nos trazem informações que não estão nas grandes bases de dados oficiais”, escreveu, referindo-se às cartas e depoimentos assinados por pessoas atingidas pelos agrotóxicos e adeptas da agroecologia.
Matéria na revista Radis, edição n° 125, de fevereiro de 2013.
Fonte: https://nossofuturoroubado.com.br/tres-visoes-sobre-o-agronegocio/

terça-feira, 13 de março de 2018

As fronteiras do pensamento também se reproduzem nas universidades?

Artigo de Rosana Pinheiro-Machado, colunista de Carta Capital que escreve uma reflexão sobre a vaidade na vida acadêmica. Para nós que estamos ingressando essa situação é simplesmente desesperadora.
"Viver não cabe no lattes!!!"
Sociedade

Opinião

Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica

por Rosana Pinheiro-Machado — publicado 24/02/2016 03h37, última modificação 24/02/2016 12h17
Combater o mito da genialidade, a perversidade dos pequenos poderes e os "donos de Foucault" é fundamental para termos uma universidade melhor
Marcelo Camargo / Agência Brasil
Unicamp
Estudante aguarda vestibular da Unicamp: a nova geração de universitários pode ajudar a melhorar a vida acadêmica
A vaidade intelectual marca a vida acadêmica. Por trás do ego inflado, há uma máquina nefasta, marcada por brigas de núcleos, seitas, grosserias, humilhações, assédios, concursos e seleções fraudulentas. Mas em que medida nós mesmos não estamos perpetuando esse modus operandi para sobreviver no sistema? Poderíamos começar esse exercício auto reflexivo nos perguntando: estamos dividindo nossos colegas entre os “fracos” (ou os medíocres) e os “fodas” (“o cara é bom”).
As fronteiras entre fracos e 'fodas' começam nas bolsas de iniciação científica da graduação. No novo status de bolsista, o aluno começa a mudar a sua linguagem. Sem discernimento, brigas de orientadores são reproduzidas. Há brigas de todos os tipos: pessoais (aquele casal que se pegava nos anos 1970 e até hoje briga nos corredores), teóricas (marxistas para cá; weberianos para lá) e disciplinares (antropólogos que acham sociólogos rasos generalistas, na mesma proporção em que sociólogos acham antropólogos bichos estranhos que falam de si mesmos).
A entrada no mestrado, no doutorado e a volta do doutorado sanduíches vão demarcando novos status, o que se alia a uma fase da vida em que mudar o mundo já não é tão importante quanto publicar um artigo em revista qualis A1 (que quase ninguém vai ler).
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dizíamos que quando alguém entrava no mestrado, trocava a mochila por pasta de couro. A linguagem, a vestimenta e o ethosmudam gradualmente. E essa mudança pode ser positiva, desde que acompanhada por maior crítica ao sistema e maior autocrítica – e não o contrário.
A formação de um acadêmico passa por uma verdadeira batalha interna em que ele precisa ser um gênio. As consequências dessa postura podem ser trágicas, desdobrando-se em dois possíveis cenários igualmente predadores: a destruição do colega e a destruição de si próprio.
O primeiro cenário engloba vários tipos de pessoas (1) aqueles que migraram para uma área completamente diferente na pós-graduação; (2) os que retornaram à academia depois de um longo tempo; (3) os alunos de origem menos privilegiada; (4) ou que têm a autoestima baixa ou são tímidos. Há uma grande chance destas pessoas serem trituradas por não dominarem o ethos local e tachadas de “fracos”.
Os seminários e as exposições orais são marcados pela performance: coloca-se a mão no queixo, descabela-se um pouco, olha-se para cima, faz-se um silêncio charmoso acompanhado por um impactante “ãaaahhh”, que geralmente termina com um “enfim” (que não era, de fato, um “enfim”). Muitos alunos se sentem oprimidos nesse contexto de pouca objetividade da sala de aula. Eles acreditam na genialidade daqueles alunos que dominaram a técnica da exposição de conceitos.
Hoje, como professora, tenho preocupações mais sérias como estes alunos que acreditam que os colegas são brilhantes. Muitos deles desenvolvem depressão, acreditam em sua inferioridade, abandonam o curso e não é raro a tentativa de suicídio como resultado de um ego anulado e destruído em um ambiente de pressão, que deveria ser construtivo e não destrutivo.
Mas o opressor, o “foda”, também sofre. Todo aquele que se acha “bom” sabe que, bem lá no fundo, não é bem assim. Isso pode ser igualmente destrutivo. É comum que uma pessoa que sustentou seu personagem por muitos anos, chegue na hora de escrever e bloqueie.
Imagine a pressão de alguém que acreditou a vida toda que era foda e agora se encontra frente a frente com seu maior inimigo: a folha em branco do Word. É “a hora do vâmo vê”. O aluno não consegue escrever, entra em depressão, o que pode resultar no abandono da tese. Esse aluno também é vítima de um sistema que reproduziu sem saber; é vítima de seu próprio personagem que lhe impõe uma pressão interna brutal.
No fim das contas, não é raro que o “fraco” seja o cavalinho que saiu atrasado e faça seu trabalho com modéstia e sucesso, ao passo que o “foda” não termine o trabalho. Ademais, se lermos o TCC, dissertação ou tese do “fraco” e do “foda”, chegaremos à conclusão de que eles são muito parecidos.
A gradação entre alunos é muito menor do que se imagina. Gênios são raros. Enroladores se multiplicam. Soar inteligente é fácil (é apenas uma técnica e não uma capacidade inata), difícil é ter algo objetivo e relevante socialmente a dizer.
Ser simples e objetivo nem sempre é fácil em uma tradição “inspirada” (para não dizer colonizada) na erudição francesa que, na conjuntura da França, faz todo o sentido, mas não necessariamente no Brasil, onde somos um país composto majoritariamente por pessoas despossuídas de capitais diversos.
É preciso barrar imediatamente este sistema. A função da universidade não é anular egos, mas construí-los. Se não dermos um basta a esse modelo a continuidade desta carreira só piora. Criam-se anti-professores que humilham alunos em sala de aula, reunião de pesquisa e bancas. Anti-professores coagem para serem citados e abusam moral (e até sexualmente) de seus subalternos.
Anti-professores não estimulam o pensamento criativo: por que não Marx e Weber? Anti-professores acreditam em lattes e têm prazer com a possibilidade de dar um parecer anônimo, onde a covardia pode rolar às soltas.
O dono do Foucault
Uma vez, na graduação, aos 19 anos, eu passei dias lendo um texto de Foucault e me arrisquei a fazer comparações. Um professor, que era o dono do Foucault, me disse: “não é assim para citar Foucault”.
Sua atitude antipedagógica, anti-autônoma e anti-criativa, me fez deixar esse autor de lado por muitos anos até o dia em que eu tive que assumir a lecture “Foucault” em meu atual emprego. Corrigindo um ensaio, eu quase disse a um aluno, que fazia um uso superficial do conceito de discurso, “não é bem assim...”.
Seria automático reproduzir os mecanismos que me podaram. É a vingança do oprimido. A única forma de cortamos isso é por meio da autocrítica constante. É preciso apontar superficialidade, mas isso deve ser um convite ao aprofundamento. Esquece-se facilmente que, em uma universidade, o compromisso primordial do professor é pedagógico com seus alunos, e não narcisista consigo mesmo.
Quais os valores que imperam na academia? Precisamos menos de enrolação, frases de efeitos, jogo de palavras, textos longos e desconexos, frases imensas, “donos de Foucault”. Se quisermos que o conhecimento seja um caminho à autonomia, precisamos de mais liberdade, criatividade, objetividade, simplicidade, solidariedade e humildade.
O dia em que eu entendi que a vida acadêmica é composta por trabalho duro e não genialidade, eu tirei um peso imenso de mim. Aprendi a me levar menos a sério. Meus artigos rejeitados e concursos que fiquei entre as últimas colocações não me doem nem um pouquinho. Quando o valor que impera é a genialidade, cria-se uma “ilusão autobiográfica” linear e coerente, em que o fracasso é colocado embaixo do tapete. É preciso desconstruir o tabu que existe em torno da rejeição.
Como professora, posso afirmar que o número de alunos que choraram em meu escritório é maior do que os que se dizem felizes. A vida acadêmica não precisa ser essa máquina trituradora de pressões múltiplas. Ela pode ser simples, mas isso só acontece quando abandonamos o mito da genialidade, cortamos as seitas acadêmicas e construímos alianças colaborativas.
Nós mesmos criamos a nossa trajetória. Em um mundo em que invejas andam às soltas em um sistema de aparências, é preciso acreditar na honestidade e na seriedade que reside em nossas pesquisas.
Transformação
Tudo depende em quem queremos nos espelhar. A perversidade dos pequenos poderes é apenas uma parte da história. Minha própria trajetória como aluna foi marcada por orientadoras e orientadores generosos que me deram liberdade única e nunca me pediram nada em troca.
Assim como conheci muitos colegas que se tornaram pessoas amargas (e eternamente em busca da fama entre meia dúzia), também tive muitos colegas que hoje possuem uma atitude generosa, engajada e encorajadora em relação aos seus alunos.
Vaidade pessoal, casos de fraude em concursos e seleções de mestrado e doutorado são apenas uma parte da história da academia brasileira. Tem outra parte que versa sobre criatividade e liberdade que nenhum outro lugar do mundo tem igual. E essa criatividade, somada à colaboração, que precisa ser explorada, e não podada.
Hoje, o Brasil tem um dos cenários mais animadores do mundo. Há uma nova geração de cotistas ou bolsistas Prouni e Fies, que veem a universidade com olhos críticos, que desafiam a supremacia das camadas médias brancas que se perpetuavam nas universidades e desconstroem os paradigmas da meritocracia.
Soma-se a isso o frescor político dos corredores das universidades no pós-junho e o movimento feminista que só cresce. Uma geração questionadora da autoridade, cansada dos velhos paradigmas. É para esta geração que eu deixo um apelo: não troquem o sonho de mudar o mundo pela pasta de couro em cima do muro.

terça-feira, 6 de março de 2018

Documentário: Amazônia, da impertinência à conciliação


Indicação feita pelo Prof. Dr. Aumeri Carlos Bampi para compreender como historicamente a biodiversidade da Amazônia têm sido substituída pela "pata do boi" e pela impertinência do capital. 



Boa reflexão!

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O "novo" Código Florestal: indicações de leituras e documentário A lei da Água

Amanhã, 21 de fevereiro de 2018, o STF retomará o julgamento mais importante sobre meio ambiente na história do país que trata sobre o novo Código Florestal. Fato este que deveria ser do interesse e mobilização de toda população brasileira, pois a nova proposta e toda polêmica em torno de sua elaboração e implantação impactará ainda mais as florestas, a água, o ar, a fertilidade do solo, a produção de alimentos e a vida de cada cidadão brasileiro. Isso quer dizer que o novo Código produzirá ainda mais impactos sociais e ambientais, aumentando por exemplo o racismo ambiental, desmatamentos, desertificação, prejudicando o que a Constituição Federal de 1988, que resulta de muitas lutas e conquistas, garante para com esta e para as gerações futuras sobre o direito ao meio ambiente equilibrado, bem como a preservação da biodiversidade, proteção da fauna e flora,  restauração dos processos ecológicos e ecossistêmicos. No entanto, pouco ou nada se vê de manifestações, indignações publicadas em redes sociais ou sequer uma menção em telejornais e sites de notícias mais acessados como globo.com e entre outros. Não me surpreende porque os interesses dos grandes conglomerados da mídia estão articulados aos interesses do capital internacional, estão alinhados inclusive com os interesses da bancada ruralista, o que fica bem claro toda vez que vejo um "agro é tech, agro é pop, agro é tudo" que me parece que vai perdurar até junho deste ano, mas sinceramente estou ansiosa para ver o que virá depois desta campanha, ou seja, se ela perdurará ou se virá outra peça publicitária carregada da ideologia política e econômica neoliberal. 

O professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, José Eli da Veiga nos fala em entrevista ao Jornal da USP de setembro de 2017 que: "a Lei 12.651/2012 'revogou o anterior Código Florestal, que era dos anos 1960 e que por sua vez, tinha substituído um outro, que era dos anos 1930'. Para piorar a situação, a lei foi renovada 'com um texto que é um escárnio, porque principalmente anistia toda a devastação que foi feita nas últimas décadas, principalmente nos cerrados'. Ele lembra que 'toda a ocupação do Centro-Oeste foi feita em desrespeito total a qualquer norma, não só a que estava no Código Florestal dos anos 1960, mas, principalmente, em desrespeito a qualquer lógica agronômica'”. 

Enfim, para saber mais informações sobre esse julgamento e quais são as tendências dos ministros do STF, posto abaixo uma matéria do ISA - Instituto Socioambiental que está acompanhando de um documentário: A lei da Água que explicita as mudanças promovidas pelo novo Código Florestal, retrata o lobby que sustenta as manobras políticas e econômicas que comprometem as riquezas do nosso país, revela também casos de degradação ambiental e técnicas agrícolas sustentáveis que contribui com a conservação e produção da sociedade e, ainda, com a resistência ao modelo de degradação ambiental à mercê do desenvolvimento do capital mundializado. 

Boa leitura e bom documentário!

De quantas decisões do STF se faz uma floresta?


Tribunal retoma mais importante julgamento sobre meio ambiente da história do país, nesta quarta (21/2). Em jogo, área com duas vezes o tamanho do Paraná está
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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta (21/2), o mais importante julgamento sobre meio ambiente da história do país. A corte volta a analisar as quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e o PSOL, contra a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012), que revogou o Código Florestal de 1965.
O julgamento começou em setembro, quando o ministro Luiz Fux leu seu relatório. Em novembro, deu seu voto. Ele aglutinou os 58 dispositivos questionados nas ações em 22 pontos; destes, considerou 19 constitucionais ou parcialmente constitucionais. Portanto, a manifestação foi favorável aos ruralistas, que defendem a nova legislação.
Fux considerou constitucional, por exemplo, o dispositivo que determina que as Áreas de Preservação Permanente (APPs) de beira de rio sejam medidas conforme o "leito regular", e não o leito maior medido na cheia, o que, na prática, implica a redução drástica da proteção das matas nesses locais. O ministro também avaliou como constitucional a norma que desobriga a recuperação integral das APPs desmatadas antes de 28 de julho de 2008 (leia mais nos boxes abaixo).
Por outro lado, interpretou como inconstitucional o perdão a sanções administrativas e criminais, como multas, motivadas por desmatamentos ilegais cometidos por produtores rurais que entrem nos Programas de Regularização Ambiental (PRA). Fux afirmou que a anistia é uma das razões para a retomada do desmatamento na Amazônia e que ela alimenta a expectativa de novas anistias. A medida é considerada um dos maiores retrocessos da nova lei porque beneficiou quem desmatou ilegalmente, estimulando a impunidade. Ao mesmo tempo, é injusta com os produtores rurais que cumpriram a norma antiga, ao colocá-los em desvantagem, obrigando-os hoje a proteger a vegetação segundo os padrões mais rigorosos de antes de 2012.
Fux também considerou ilegais a regra que desprotegeu nascentes e olhos d’água intermitentes e a que estabeleceu a data de 22 de julho de 2008 como marco da anistia aos desmatamentos ilegais (saiba mais).
Logo após o voto do ministro, a presidente do STF, Cármen Lúcia, pediu vistas do processo, suspendendo-o. Na quarta, ela será a primeira a votar. Os outros nove ministros ainda irão se manifestar, e também podem pedir vistas. Por isso, é impossível prever quando o caso será encerrado.
A lei define o que tem de ser preservado e reflorestado em parte das cidades e nos cerca de 5,5 milhões de imóveis rurais do Brasil, que somam 490 milhões de hectares ou 58% do território nacional. A nova legislação liberou os produtores rurais da obrigação de restaurar 41 milhões de hectares desmatados ilegalmente, o equivalente a duas vezes o território do Paraná, segundo estimativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

Desastres climáticos e crises hídricas

O julgamento ganha mais importância em virtude do aumento dos desastres climáticos no país, nos últimos anos, a exemplo da crise hídrica em São Paulo, Rio de Janeiro, DF e Nordeste. A vegetação nativa é fundamental para a regulação do clima. Cada vez mais cientistas estudam a importância da Amazônia para as chuvas no centro e Sudeste do Brasil, por exemplo.
Em especial, a mata localizada à margem de corpos de água e nas encostas - definida pela lei como APP - é fundamental para recarregar os aquíferos subterrâneos, controlar a infiltração e a vazão dos rios, evitar o assoreamento e a erosão. Por isso, o desmatamento nessas áreas pode não apenas comprometer o abastecimento de água, mas também provocar deslizamentos, enxurradas e inundações (leia mais no box abaixo).
Entre 1991 e 2012, cerca de 46 milhões de pessoas foram afetadas por esses três últimos tipos de eventos no Brasil. Em torno de 3,9 milhões de pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas e 3,8 mil foram mortas. Os prejuízos podem ter chegado a R$ 355 bilhões. Os dados são do estudo “Valorando Tempestades: custo econômico dos eventos climáticos extremos no Brasil nos anos de 2002 – 2012”, publicado pelo Observatório do Clima, em 2015.
Só a crise hídrica de São Paulo teria acarretado um prejuízo em torno de US$ 5 bilhões, o quinto desastre natural mais caro do mundo em 2014, de acordo com a pesquisa “A seca e a crise hídrica de 2014-2015 em São Paulo”, da Rede Clima e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC).
Segundo os cientistas, a crise em São Paulo foi resultado da maior seca em mais de 80 anos no Sudeste. O desmatamento desenfreado às margens dos principais reservatórios da cidade e de seus formadores, no entanto, agravou o problema. Levantamento da SOS Mata Atlântica constatou que restam apenas 21% da cobertura florestal nativa na bacia hidrográfica e nas seis represas que formam o Sistema Cantareira. O mesmo estudo aponta que há municípios na região com menos de 10% de vegetação nativa, como Itapeva (7,9%) e Bragança Paulista (3,2%).
Segundo outro levantamento, do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, os reservatórios considerados críticos pela Agência Nacional de Águas (ANA) perderam em média 80% de sua cobertura florestal. A pesquisa inclui as capitais do litoral do país, além de Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo.
O índice total de vegetação nativa de alguns Estados que sofrem ou sofreram com a escassez hídrica não deixa dúvidas sobre o problema, a exemplo de São Paulo (19%), Rio de Janeiro (18%) e DF (42%). Cerca de 45% de toda população residente em grandes cidades do Brasil enfrenta riscos de médios a extremos de estresse hídrico, aponta trabalho da World Resources Institute (WRI).

Mata Atlântica

O julgamento no STF pode ser ainda mais decisivo para o abastecimento de água porque, apesar do Brasil ser conhecido por conter cerca de 12% de toda a água doce do mundo, ela está distribuída de forma desigual. A região amazônica concentra 81% da disponibilidade de águas superficiais do país, mas menos de 5% da população total. Todo o resto dela depende de outros biomas para seu abastecimento.
A situação é particularmente grave na Mata Atlântica, que abriga cerca de 70% da população brasileira, responsável por 80% do PIB nacional. Apesar disso, o bioma é o mais ameaçado do Brasil, com menos de 12% de remanescentes florestais. Dos 4,6 milhões de hectares de APPs desmatadas e anistiadas pelo novo Código Florestal, 2,6 milhões de hectares estão no bioma, ainda de acordo com o Imaflora.
Em 2015, no processo das ADIs, o próprio ministro Luiz Fux notificou os governadores dos estados do Sudeste para que definissem planos e metas de restauração das APPs com parâmetros mais rigorosos do que aqueles da lei de 2012 com o objetivo de mitigar e prevenir os problemas causados pela crise hídrica. A notificação reconheceu a relação entre escassez de água e desmatamento (saiba mais).
Código Florestal
Área de Preservação Permanente (APP)
A Área de Preservação Permanente (APP) é uma área protegida com a função de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Segundo a legislação, as APPs estão localizadas às margens de nascentes e corpos de água, no topo de morros e em encostas, entre outros.
Reserva Legal (RL)
A Reserva Legal (RL) é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. Sua extensão varia, na lei, de 20% a 80%, dependendo do bioma onde está o imóvel rural. Na Mata Atlântica, no Pampa, no Pantanal e no Cerrado, ela é de 20%. Nas áreas de Cerrado e de “campos gerais” na Amazônia Legal, ela é de 35%. Nas áreas de floresta na Amazônia Legal, ela é de 80%.
As novas regras da Lei 12.651/2012
O Código Florestal de 1965, revogado pela Lei nº 12.651/12, obrigava a recomposição total das APPs desmatadas. A nova lei isenta de recomposição as áreas desmatadas até julho de 2008, prevendo a recomposição ou a manutenção de uma faixa significativamente reduzida em relação à APP original, de acordo com o tamanho da propriedade (imóveis menores têm que recompor áreas menores). Com a nova legislação florestal, o tamanho da APP também passa a ser medido a partir do “leito regular” do rio, e não mais em relação ao leito maior (na época de cheia). Somente na Amazônia, essa medida significa a desproteção de cerca de 40 milhões de hectares de várzeas e áreas alagadas. Em relação à Reserva Legal (RL), o novo código apresenta duas diferenças significativas principais: o cálculo da RL deve incorporar as áreas de APP; os pequenos imóveis rurais (menores que quatro módulos fiscais) não terão obrigação de recompor o passivo de RL gerado até 22 de julho de 2008.
APPs de nascentes e cursos de água
A mata localizada nas APPs tem uma série de funções no ciclo hidrológico. Quando a chuva cai numa área com cobertura vegetal, a água infiltra lentamente no solo, até atingir o lençol freático. Aos poucos, aflora nas nascentes e enche rios e represas. O solo da floresta libera um fluxo de água mais constante, mesmo na estiagem.
Onde não há floresta, a infiltração da chuva no terreno é mais difícil. Num solo de pastagem, por exemplo, a quantidade de água escoada é até 20 vezes maior que em área de vegetação nativa. Por esse motivo, em período de muita precipitação, áreas desmatadas estão mais sujeitas a enchentes. A água escoa rapidamente e em quantidade, enchendo os rios e represas, mas muitas vezes de forma desastrosa. Neste processo, a água carrega consigo muito material orgânico, erodindo o terreno, assoreando os reservatórios e reduzindo a água disponível.
O desmatamento também ameaça a qualidade da água, porque pode facilitar a contaminação por agrotóxicos, por exemplo. O pesquisador José Galizia Tundisi alerta que a destruição das APPs pode encarecer o tratamento da água em até 100 vezes. “Todo o serviço de filtragem prestado pela floresta precisa ser substituído por um sistema artificial e o custo passa de R$ 2 a R$ 3 a cada mil metros cúbicos para R$ 200 a R$ 300. Essa conta precisa ser relacionada com os custos do desmatamento”, afirmou Tundisi (leia aqui).
Para saber mais, assista abaixo o filme "A Lei da Água"



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