segunda-feira, 4 de junho de 2018

Três visões sobre o agronegócio

Três materiais que mostram as premissas e as conseqüências do agronegócio em nosso meio com o reflexo direto sobre a saúde da população, a preservação das diferenças étnicas de nosso país e na manutanção da Vida em sua biodiversidade cultural e ambiental.

http://www.ecodebate.com.br/2013/02/08/premissas-universais-do-reino-do-agronegocio-artigo-de-tatiana-bonin/
http://www.ecodebate.com.br/2013/02/08/10-congresso-da-abrasco-armadilhas-do-agronegocio/
http://www.ecodebate.com.br/2013/02/08/10-congresso-da-abrasco-comunicacao-contra-os-impactos-dos-agrotoxicos-na-saude/

Premissas universais do reino do agronegócio, artigo de Tatiana Bonin

agronegócio

“Mesmo não tendo base religiosa, o agronegócio possui um ‘catecismo’, no qual um conjunto de pressupostos é tomado como absoluto – destaca-se, entre eles, o uso ‘racional’ (leia-se exaustivo) das terras para assegurar a elevação da produtividade, maximização dos resultados e dos lucros, conversão da natureza em recurso, conversão do trabalhador do “campo” em um empreendedor, conversão dos direitos de cidadania em direitos de consumo”. O comentário é de Iara Tatiana Bonin, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em artigo publicado no portal do Cimi, 06-02-2013.
Eis o artigo.
Em contextos de globalização eclodem práticas culturais, religiosas, econômicas, sociais diversificadas, que adquirem visibilidade e confrontam as noções de unificação. Contudo, nestes mesmos contextos, não raramente ocorre um recrudescimento dos fundamentalismos, que conferem caráter absoluto a um ponto de vista, como se este fosse a verdade irrefutável, a única direção, que então deveria ser seguida sem questionamentos.
Ocorre, no Brasil, algo semelhante. Nunca como hoje, as diferenças tiveram tamanho espaço de expressão, o que oportuniza a emergência de múltiplas formas de pensar e de vislumbrar o “futuro da nação”. Contudo, vemos emergir também aqui um tipo particular de fundamentalismo – vinculado a um único ponto de vista sobre o desenvolvimento nacional, tomado então como absoluto, inquestionável, verdadeiro e bom em si mesmo. Esse novo “desenvolvimentismo” emerge como uma urgência, que deveria ser assumida como prioridade política e pública, acima de qualquer outro aspecto da vida social ou, melhor ainda, submetendo tudo o que é social ao plano das métricas e equações econômicas.
O historiador inglês Eric Hobsbawm, considerado um dos mais importantes intelectuais do século XX, afirma que o pensamento econômico vigente se vale de uma retórica teológica, embora seja, como sabemos, contingente e dependente de condições políticas e históricas específicas. Para o historiador, o modelo capitalista, em sua forma atual, tem apelos semelhantes aos do discurso religioso.
Seguindo esta linha argumentativa, pode-se dizer que o desenvolvimentismo se sustenta numa fé suprema – a fé no caráter redentor do mercado – de tal modo que, mesmo quando todos os indicadores demonstram que o caminho é tortuoso e incerto, acredita-se que seja linear, quase como se fosse um destino. A fé é um elemento central no manejo dessa retórica: é preciso crer fielmente que não há saídas para a crise energética, a não ser a construção de hidrelétricas gigantes; é uma questão de fé imaginar que os recursos naturais são inesgotáveis e uma questão de (má)fé afirmar que recursos contingenciados e, portanto, não aplicados em saúde e educação serão revertidos em benesses para todos. Um dos braços mais vigorosos e convictos desse novo tipo de fundamentalismo é o “culto” ao agronegócio.
Mesmo não tendo base religiosa, o agronegócio possui um “catecismo”, no qual um conjunto de pressupostos é tomado como absoluto – destaca-se, entre eles, o uso “racional” (leia-se exaustivo) das terras para assegurar a elevação da produtividade, maximização dos resultados e dos lucros, conversão da natureza em recurso, conversão do trabalhador do “campo” em um empreendedor, conversão dos direitos de cidadania em direitos de consumo.
Mesmo não tendo base étnica, o fundamentalismo ligado ao agronegócio produz como efeito o ódio ao outro – ao diferente, a todo aquele que supostamente se contrapõe às premissas do desenvolvimento rural, a toda coletividade que não se enquadra, que não se converte ao modelo produtivista, que não professa a mesma crença. E a retórica do agronegócio tem claramente uma base social, uma vez que nele se marca a classe representada, aquela que define o caráter e a urgência das ações e políticas de desenvolvimento para o espaço rural.
A vivência deste tipo contemporâneo de fundamentalismo produz também “pastores”, ou seja, aqueles fervorosos porta-vozes, que expressam sem escrúpulos as premissas absolutizadas da fé que professam. Esses porta-vozes profetizam tempos de prosperidade, advindos da máxima produtividade e da vocação para a exportação de produtos oriundos dos negócios rurais. Conforme Kátia Abreu, no texto intitulado “Entre o passado e o futuro”, publicado na Folha de S. Paulo em 19/01/2013, “a moderna empresa agrícola é de alta produtividade, com uso intensivo de tecnologia”, portanto é para poucos, apenas para quem dispõe de capital para isso.
Os porta-vozes profetizam também os horrores de um mundo mantido na desordem e no caos dos assentamentos, da agricultura familiar, espaços nos quais a produção é operada em pequena escala e baseada no pluricultivo. Kátia Abreu afirma no mesmo texto que “a produtividade dos assentamentos é pífia, muito abaixo da média nacional”, o que mostra mais uma vez que a premissa da produtividade em larga escala é tomada como absoluta.
Esses “visionários” do agronegócio alertam, por fim, para os desastres da manutenção de terras produtivas nas mãos de comunidades indígenas, indignas de viver nesse novo tempo, nesse novo mundo do desenvolvimento, visto sob uma única ótica. O arqui-inimigo desta nova “guerra santa” não é, certamente, Satanás, aquele que habita tradicionalmente o fogo do inferno, e sim aqueles que habitam tradicionalmente as terras que hoje deveriam ser convertidas em “modernas empresas rurais”, terras predestinadas (conforme estas sagazes profecias) à produção em larga escala de alguma coisa para o presente (afinal, dentro desta lógica, para que manter áreas de floresta, reservas ambientais ou essas tais terras indígenas como espaços indisponíveis para o mercado, quando essa suprema força produtiva pode e deseja ardentemente expandir suas fronteiras?).
O conjunto de premissas desenvolvimentistas, tomadas como “naturais”, explica porque a presidente Dilma recebeu, no último dia 04, diretamente das mãos do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS, Eduardo Riedel, um documento demonstrando os efeitos da demarcação de novas áreas indígenas em Mato Grosso do Sul, mas não recebeu (em mais de dois anos de mandato) diretamente das mãos dos índios qualquer documento que demonstre os efeitos desumanos da omissão do estado em promover a efetiva demarcação das terras de povos que vivem hoje confinados em pequenas áreas ou acampados às margens de rodovias.
Aqueles que se contrapõem a tais premissas e defendem, por exemplo, o direito dos povos indígenas à terra, são chamados de nostálgicos, utópicos e “ongueiros”. Mais do que isso, questionam-se os direitos destes povos, com o argumento de que se trata de muita terra, já que, “no mais das vezes, os índios não produzem uma mandioca pra chamar de sua”, conforme Reinaldo Azevedo escreveu no seu blog, publicado no site da Veja, em 28/01/2013.
Além das constantes perseguições a lideranças indígenas, um exemplo recente dessa nova “caça aos ímpios”, foi a reação ao texto escrito por Dom Tomás Balduíno, publicado no jornal Folha de S. Paulo, no qual confronta premissas do agronegócio. Dom Tomás é chamado por Reinaldo Azevedo, de estranho “homem de Deus”, pois se atreve a opinar sobre assuntos “profanos”, mas a ironia é que esses assuntos assumem, na atualidade, um viés sagrado.
O que torna mais difícil contestar os fundamentalismos econômicos é o fato de que dificilmente se admitirá o radicalismo das premissas de mercado e a arbitrariedade das regras que definem o que é produtivo, o que é prioritário. Tal como em outras formas de pensamento fundamentalista, o braço do agronegócio também exige “a cabeça” de seus oposicionistas, prática que envolve, inclusive, desautorizar ou desacreditar quem se atreve a apresentar resistência (são exemplos disso o questionamento sobre a “capacidade” dos índios de serem mentores de suas ações e reivindicações, que se pode ler em diferentes fontes, ou a suspeita lançada sobre a autoria do texto de Dom Tomás Balduíno – “se escrito por ele, isso já não sei”, no Blog de Reinaldo Azevedo, em 25/01/2013).
Tal como nas velhas práticas coloniais, o agronegócio requer a abertura de campos nos quais se possa ceifar “livremente” vidas humanas – aquelas gentes incompetentes, pouco ajustadas, pouco convictas, pouco dispostas à redenção. Tem-se aqui a banalização da vida e são oferecidas, no altar do sacrifício, as condições de sobrevivência, de saúde, de educação, de bem estar de muitos, para o deleite absoluto de alguns segmentos empresariais no “templo” do mercado e do consumo.

10° Congresso da Abrasco: Armadilhas do agronegócio

cerrado

A mesa O Papel da ciência frente aos impactos do agronegócio e o direito das populações juntou os dois temas do Abrascão: desenvolvimento e ciência. Para o pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Ensp/Fiocruz, Marcelo Firpo, o agronegócio e a ciência moderna são armadilhas atuais: “A ciência moderna impulsiona o produtivismo e torna a natureza uma grande máquina fabril”.
O paradigma da ciência moderna, explicou o pesquisador, foi introduzido pelo físico italiano Galileu Galilei, que pregava que os movimentos naturais podem ser entendidos por leis gerais, permitindo a previsão de cenários. Com o desenvolvimento da Biologia e da Microbiologia, o cientista francês Louis Pasteur difundiu a ideia de que a natureza — fonte de caos, doença, perigos — era passível de domesticação. “Foram, então, produzidas as bases teóricas que levariam aos mecanismos de controle da natureza”, apontou.
Muitos desses mecanismos acabaram sendo adotados pelo agronegócio, que utiliza o solo para produção de mercadorias. O exemplo mais comum são os agroquímicos, expressão do modelo de ciência e tecnologia voltado para impedir as variabilidades naturais. “Criou-se o conceito de praga, considerada problemática, quando na verdade as pragas são expressão da vida”, observou Marcelo Firpo.
O modelo também levou à expansão do monocultivo e à proposta de eliminação dos povos das florestas e dos camponeses, “que não enxergam a natureza como uma grande fábrica, mas sim como fonte de vida”. A relação entre ciência, economia e ambiente, explicou, é um pilar desse processo, ao ter como foco a maximização de ganhos e a redução de perdas. “Há uma mercantilização da vida e da natureza, cuja novidade é o mercado de carbono”.
Os defensores da “revolução verde” argumentam que suas técnicas aumentaram a produtividade no campo, mas o suposto aumento de produtividade, ressaltou Firpo, não resolveu o problema da fome no mundo. “Vemos uma fusão da indústria com a agricultura e da química com a biotecnologia para tornar a agricultura o novo foco de expansão do capital”.
Aceitável e inaceitável
O pesquisador avaliou que a atual crise ambiental põe em xeque o poder da ciência sobre a natureza — o que o filósofo francês Bruno Latour chama de “reinvasão da natureza no laboratório”. A pergunta que deve ser feita, segundo Firpo, é: “Como estabelecer objetivamente fronteiras entre o aceitável e o inaceitável, do ponto de vista de uma ciência clássica?”. A resposta deve vir da sociedade, disse, e ser incorporada pela ciência.
Firpo apontou como princípios para uma ciência sensível, sustentável e emancipatória a refundação das noções de economia, natureza, saúde e regulação; a humanização e a ecologização da ciência, para que se reconheçam complexidades; o diálogo entre saberes; o reconhecimento de limites, incertezas e ignorâncias; e a predominância do interesse público, com controle do poder do mercado e das grandes corporações. “Assim, teremos uma economia para as pessoas, com novas escalas, relações e valores, e cujo elemento central será a solidariedade”.
Relação positiva
A agroecologia é uma alternativa ao agronegócio: propõe uma agricultura camponesa com relação positiva com o meio ambiente, como relatou o vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, Paulo Petersen. “Aumentamos a eficiência aplicando os fundamentos da natureza: a energia da fotossíntese, a manutenção da biodiversidade, a reciclagem de nutrientes, a conservação das fontes de água, o controle biológico de populações de fitófagos, patógenos e plantas espontâneas”.
A luta da agroecologia, disse ele, é contra a invisibilidade. “A ciência ocupa hoje o espaço da Igreja na Idade Média: obscurantismo e apoio aos impérios”, criticou, em referência a um pequeno grupo de corporações transnacionais que controlam os sistemas de produção e abastecimento alimentar. “São corporações sem compromisso com o futuro, que afastam a agricultura da natureza e negam o conhecimento popular”.
Matéria na revista Radis, edição n° 125, de fevereiro de 2013.

10° Congresso da Abrasco: Comunicação contra os impactos dos agrotóxicos na saúde

O cineasta Silvio Tendler, autor do documentário 'O veneno está na mesa'
O cineasta Silvio Tendler, autor do documentário ‘O veneno está na mesa’

O programa do congresso dedicou um dia inteiro de discussões ao Dossiê Abrasco sobre impacto dos agrotóxicos na saúde, cuja terceira parte, Agrotóxicos, conhecimento científico e popular, foi lançada na tarde de 16 de novembro — em março de 2011 realizou-se o lançamento da primeira parte, Agrotóxicos, saúde, segurança alimentar e nutricional; a segunda, lançada durante a Rio+20, em junho de 2012, trata de Agrotóxicos, saúde e sustentabilidade. Na parte da manhã, o assunto foi debatido em sessão especial, que contou com o então presidente da Abrasco, Luiz Augusto Facchini. Ele destacou o fato de o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, titulo do qual o país não deve se orgulhar. “Gostaríamos de reverter esse quadro, diminuir a dependência do pequeno agricultor e fortalecer a base da saúde”, disse, defendendo maiores investimentos na capacidade da agricultura familiar e da agroecologia e a maior formação de pesquisadores nas duas áreas.
O dossiê foi construído com a contribuição de vários grupos de trabalho da Abrasco (Saúde e ambiente, trabalho, nutrição, promoção à saúde e vigilância sanitária) e de pesquisadores de diversas instituições do país, sistematizando a produção sobre os impactos dos agrotóxicos à saúde. De acordo com Facchini, o documento apresenta conexões entre o grande capital e o processamento e industrialização desses produtos, bem como sua relação com a alimentação das pessoas. “Enfrentar o grande capital não é tarefa fácil, mas é possível”, salientou, lembrando os progressos na luta contra o tabagismo e a favor do banimento do amianto, também danosos à saúde. “Esses interesses suplantam a civilidade em nome do ganho fácil, mesmo que submeta a população ao envenenamento”, denunciou.
Hegemonia que aprisiona
O pesquisador Fernando Carneiro, do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (Nesp/UnB) comemorou o compartilhamento do dossiê com os 8 mil congressistas, lembrando que o documento é uma reação do movimento social à hegemonia do agronegócio, um modelo que aprisiona o agricultor. “Há dez anos, 30% do que consumimos está contaminado”, disse Fernando, informando que já foi detectada a presença dessas substâncias até no leite materno e assinalando a pertinência do material. Segundo ele, existem 14 princípios ativos proibidos no mundo ainda consumidos no Brasil, o que reforça a necessidade de priorizar uma Política Nacional de Agroecologia.
O pesquisador afirmou que, com o dossiê, a comunidade científica cria um fato político no país, chamando a atenção da mídia e criando um documento histórico sobre o assunto. Além disso, o documento aumenta a interlocução entre sociedade, academia e mídia. “Epidemiologistas e militantes estão juntos, construindo uma semântica própria em defesa da vida”.
Fernando acenou com a possibilidade de, em futuro próximo, produzir-se um dossiê similar sobre o problema no continente latinoamericano, onde são consumidos 19% dos agrotóxicos no mundo. Os impactos vão além do envenenamento, acentuou, lembrando que em 2010 o agricultor José Maria do Tomé foi assassinado na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte (CE), por denunciar os impactos do uso indiscriminado de agrotóxicos na região.
Conquista da mídia
O cineasta Silvio Tendler, autor do documentário O veneno está na mesa (assista no Canal do Ecodebate no YouTube em http://www.youtube.com/user/ecodebate ), declarou ser impossível não avançar na luta contra os agrotóxicos com um time de cientistas e agricultores de tamanha qualidade, “pessoas que lutam pela qualidade da saúde no país”. Para ele, a maior batalha a ser enfrentada seria conquistar a mídia para mobilizar toda a sociedade. “Não odeiem a mídia”, declarou.
Silvio comemorou o fato de seu documentário já ter sido acessado por cerca de 100 mil pessoas na rede social Youtube, além das inúmeras cópias que podem ter sido feitas e dos acessos em outros sites e blogs. “A batalha contra os agrotóxicos não é problema dos especialistas, mas de toda a sociedade. É uma batalha de comunicação”, definiu.
Ele criticou o fato de governos progressistas utilizarem recursos oriundos da produção de agrotóxicos como um dos seus sustentos e alertou que a paisagem brasileira está mudando para pior por conta do agronegócio. Se em Grande sertão: veredas o escritor Guimarães Rosa descrevia as veredas, lembrou, hoje, elas se transformaram em eucalipto. “Além dos rios desertificados em nome de um poder financeiro”, apontou. “Temos que demonstrar que este modelo é perverso e prejudicial à vida no Brasil”, conclamou, lembrando que “seremos vitoriosos se soubermos trabalhar com a comunicação”.
Ponta de iceberg
Integrante da Articulação Nacional de Agroecologia, o pesquisador Paulo Petersen constatou que o momento é de aprendizado, pois o dossiê indica “uma nova forma de produzir conhecimento, para além do conhecimento científico”, aliada a outros saberes. Essa sinergia, segundo ele, produz algo superior, já que se transforma em munição para ação política e diálogo entre os movimentos sociais. “Encontrar e perceber convergências já foi um grande passo”, elogiou, advertindo que é necessário que o produto seja compartilhado. “Temos que aprender a viver o território da comunicação”, assinalou. Neste contexto, ele acredita que a capacidade de produzir novas mídias faz grande diferença.
O pesquisador alertou que é preciso entender que a questão dos agrotóxicos é apenas a ponta de um iceberg, “uma ameaça ao modelo que se afirmou em dez milênios sem uma gota de agrotóxico”. Para ele, não há como entender essa ameaça sem considerá-la uma grande construção ideológica, que indica a mudança de um paradigma econômico para um paradigma químico — e encontra eco no projeto de substituir a indústria bélica pela indústria química. A base legitimadora desse processo, assinala, “é o discurso de acabar com a fome do mundo” e o questionamento sobre a capacidade da agroecologia de alimentar 9 bilhões de pessoas. “A pergunta correta é: será que este modelo industrial é capaz disso? Se já não é capaz hoje, como pode prometer que será em 2050?”.
Paulo lamenta que a agroecologia não seja reconhecida por sua capacidade de produzir alimentos e cultura, além de preservar o meio ambiente. Tudo isso por ter em sua base a agricultura camponesa, que tem uma forma de produzir distinta e trava uma relação diferente com o território e com a biodiversidade. Ele ressaltou que fala de agricultura familiar, que não pode ser confundida com agricultura de nicho. “Não estamos falando na substituição de agrotóxicos por tecnologia para matar pragas”. Ele se refere ao aproveitamento de princípios ecológicos de maneira natural, uma “regulação biótica”. “Nunca tivemos tanto conhecimento acumulado, mas é preciso evitar a apropriação dos conceitos da agroecologia pelo mercado”.
Harmonia dos saberes
À tarde, durante o lançamento oficial do dossiê, a médica Raquel Rigotto, pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do grupo que construiu o documento, destacou que o trabalho valorizou o encontro com os saberes populares, camponeses e tradicionais. “Procuramos as experiências construídas por essas comunidades de alternativas a esse modelo de desenvolvimento, especialmente no campo da agroecologia, entendida não só como um processo de produção de alimentos livres de agrotóxicos, mas alimentos livres de injustiça social”, explicou. Para ela, são estes alimentos que contêm reforma agrária, promoção da equidade, contemplam a questão de gênero, a saúde das populações camponesas, a preservação da biodiversidade e o cuidado com as fontes de água.
Quem assina o prefácio do dossiê é o pesquisador português Boaventura Sousa Santos, que define a metodologia de construção como ecologia de saberes. “Não basta somente reunirmos todo o conhecimento científico produzido pela ciência moderna, mas construirmos um verdadeiro diálogo entre as vozes que emergem dos territórios e que nos trazem informações que não estão nas grandes bases de dados oficiais”, escreveu, referindo-se às cartas e depoimentos assinados por pessoas atingidas pelos agrotóxicos e adeptas da agroecologia.
Matéria na revista Radis, edição n° 125, de fevereiro de 2013.
Fonte: https://nossofuturoroubado.com.br/tres-visoes-sobre-o-agronegocio/

Nenhum comentário:

Postar um comentário