2 de setembro de 2010 às 4:37
Stédile: Globo faz parte da associação do agronegócio
Foto Manuela Azenha
João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está otimista. Depois da derrota eleitoral de Lula, em 1989, ele acredita que os movimentos sociais brasileiros enfrentaram um longo período de hibernação. Hoje, no entanto, ele acredita que estejam novamente em ascensão. Identifica no apoio da maior parte deles a Dilma Rousseff uma unidade que há muito não via, a ponto da candidata reunir em torno dela apoios que nem mesmo Lula conseguiu, em 2002 e 2006.
Na noite desta quarta-feira João Pedro nos recebeu no casarão que é sede do MST em São Paulo, uma propriedade que foi comprada com dinheiro arrecadado pelo fotógrafo Sebastião Salgado em uma exposição internacional de fotos do movimento. Ele agora está de olho em um galpão industrial do bairro, que gostaria de transformar em um centro cultural. O MST faz muitos outros planos: a produção de arroz e suco de uva orgânicos para servir na merenda escolar, um projeto para a alfabetização de adultos e a formação universitária dos sem terra estão entre eles (o movimento já “formou” dez doutores).
Sugerimos que você ouça a entrevista na íntegra. Participaram eu, Luiz Carlos Azenha, Conceição Lemes e Manuela Azenha. É um passeio pelos principais temas que a sociedade brasileira enfrentará, obrigatoriamente, nos próximos anos. Começamos falando sobre as eleições e uma recente entrevista de Stédile ao Brasil de Fato que o Viomundo reproduziu.
Sobre a ascensão dos movimentos sociais:
Viomundo: Bom, vamos lá começar então perguntando sobre a conjuntura política. Eu li o seu artigo sobre a necessidade dos movimentos sociais apoiarem a candidatura da Dilma. Por que essa sua posição?
Stédile: A maioria dos movimentos não fizeram um debate explícito sobre a quem apoiar, para preservar uma certa autonomia, ou seja, como não somos partidos políticos — e mesmo o movimento sindical, mesmo a UNE na sua plenária ela definiu contra o Serra, mas sem indicação de voto — porque a rigor a nossa base deve votar de acordo com a sua consciência, aqui não é um comitê central que decide vota em fulano e todo mundo baixa a cabeça. A natureza do movimento social é muito mais ampla. No entanto, eu acho que se criou um ambiente político no Brasil nos últimos meses que levou a que 90% dos movimentos sociais aregaçassem as mangas e trabalhassem contra o Serra e a favor da Dilma, na perspectiva de que num governo Dilma vai ter uma correlação de forças mais propícia para fazer a luta social e para apresentar propostas de mudanças estruturais, que é o que a sociedade brasileira precisa.
Viomundo: Que propostas você acredita sejam as mais importantes?
Stédile: Ah nos vários campos. Por exemplo, na política economia. Não basta seguir mais quatro anos do mesmo. Nós precisamos enfrentar radicalmente o problema do superávit primário. Nenhum país do mundo pratica — dos países grandes, de economias grandes — pratica superávit primário, só Brasil e Argentina. Por que manter essa política que na verdade é um processo de apropriação da poupança nacional, que é recolhida na forma de impostos de todo mundo, de forma compulsória, vai para a Receita Federal e a Receita Federal separa 26% para pagar juro? Eu espero que o governo inclusive tenha aprendido com a crise do ano passado, porque o que salvou o Brasil de um efeito mais grave na economia foi que o Lula sabiamente tirou 100 bilhões do superávit primário e botou no BNDES e esses 100 bilhões foi que garantiu o crescimento econômico, ou seja, ele foi direcionado para investimentos produtivos.
Bem, o tema dos juros — é um absurdo a taxa de juros atual, não só a Selic, que é [a taxa] que o governo paga, mas sobretudo o que as pessoas e empresas pagam. Cartão de crédito no Brasil, que é o que financia o consumo da classe média, com taxa de juro de 190% ao ano, mas nem na crise de 19 no período do Hitler, que justificou a ditadura dele, havia uma taxa de juro tão alta, real, isso tem que mudar.
Tem que mudar a jornada de trabalho. Na conjuntura anterior nós não tivemos força para emplacar 40 horas. Eu acho que agora nós vamos ter unidade de todas as centrais, dos movimentos sociais para fazer um movimento mais vigoroso e emplacar a jornada de trabalho. Então, você veja, só esses três aspectos na política econômica, isso altera a correlação de forças na sociedade. Isso significaria mais distribuição de renda para os trabalhadores, melhores condições para os que produzem a riqueza.
Bem, na agricultura nós temos vários pontos que são fundamentais para mudar. Desde acelerar a reforma agrária, porque nós não temos reforma agrária atualmente, nós temos uma política de assentamentos, que ela é mais direcionada a resolver problemas sociais. Então, quando tem um conflito em determinada região, o governo vai lá, desapropria uma fazenda e desanuvia. Mas isso não é reforma agrária, reforma agrária é quando tem uma política propositiva que o governo se antecipa para garantir que todos os que querem trabalhar na terra tenham acesso à terra. Para isso ele tem de tomar iniciativa e desapropriar os maiores latifúndios. Só assim vai haver uma desconcentração da propriedade. O dado do Censo de 2006 revelou que a concentração atual da propriedade da terra é maior do que em 1920. Na semana passada o presidente do Incra teve a lucidez de revelar um dado que não está publicado ainda nos cadastros do Incra, de que há uma avalanche de empresas brasileiras indo aplicar o seu dinheiro, se proteger em patrimônio-terra. E hoje há 177 milhões de ha em propriedades de capitalistas que moram na cidade, de empresários, ou seja, são empresas industriais, bancos, que são donos de terra, que a rigor não é o seu meio de produção.
Também nós temos no problema da terra o tema do modelo do agronegócio, que ele é insustentável a longo prazo, porque o agronegócio ele só consegue produzir com mecanização intensiva e isso expulsa a mão-de-obra. Há dez anos havia 6 milhões de assalariados agrícolas no Brasil. Hoje, se reduziram a 1,6 milhão. E com o uso intensivo de agrotóxicos. E o veneno, por ser de origem química, não é biodegradável. Ele acaba com o solo, contamina a água ou, pior ainda, fica nos alimentos e vai se transformar em câncer.
Um balanço dos assentamentos no governo Lula:
O programa de educação do MST para o campo:
O suco de uva do MST (e a Globo na associação do agronegócio!):
Como driblar o bloqueio da mídia corporativa
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